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Caros irmãos na fé

Estimados concidadãos

1. Instrução dos Pastores

Nós, bispos das duas dioceses de Cabo Verde, cientes do papel da Igreja católica na promoção do bem comum, queremos apresentar aos nossos estimados diocesanos e concidadãos alguns princípios a se ter em conta neste período eleitoral.

Entendemos ser necessário exortar os cidadãos para o seu dever cívico e cristão de exercer de forma livre, consciente e autónoma o seu direito-dever de votar, tendo em conta as linhas da Doutrina Social da Igreja, Mãe e Mestra, mormente sobre o bem comum[1] «que é da responsabilidade de todos».[2]

Queremos encorajar cada cidadão deste país a não deixar que nada nem ninguém os obrigue a votar contra a sua consciência; a nunca vender nem trocar por nada o seu voto. Outrossim, apelamos a que denuncie vigorosamente às autoridades competentes toda a tentativa de manipular ou desvirtuar o seu voto, a troco de favores e outros meios ilícitos e antidemocráticos.

É nosso desejo que os cristãos votem segundo as exigências da Doutrina Social da Igreja, os direitos fundamentais da pessoa humana e em resposta às necessidades sociais, culturais, educacionais e económicas da nossa sociedade.

Fique bem claro que não pretendemos indicar aos nossos fiéis em quem votar, nem pretende este documento ser, de modo algum, apoio ou reprovação de algum candidato ou partido político.

Entendemos que, tendo ultrapassado o regime do monopartidarismo e tendo vivido 25 anos em democracia pluripartidária, Cabo Verde chegou a um ponto crítico para a expressão da cidadania plena e para o salto de qualidade da sua democracia.

Não há dúvida que um dos instrumentos importantes para a organização e edificação da sociedade é a Política, considerada pela Igreja como uma atividade exigente, nobre e necessária para a gestão da coisa pública[3].

Escolher os deputados da nação no próximo dia 20 de Março é um compromisso social e cristão muito sério, porque se trata de eleger aqueles que em nome do povo vão fazer leis e governar o país num contexto social, cultural e económico conturbado. 

Por isso, os candidatos a qualquer cargo público devem ser escolhidos, mais do que nunca, com base em princípios éticos fundamentais. Com efeito, o voto deve ser dado a quem pode realmente dar respostas razoáveis e reais às questões da atual sociedade cabo-verdiana.

2. Voto e formação da consciência

A consciência cristã bem formada não permite a alguém favorecer com o próprio voto a concretização de um programa político ou a aprovação de uma lei particular que contenham propostas alternativas ou contrárias aos conteúdos fundamentais da fé e da moral”[4].

Votar bem supõe uma consciência moral e social bem formada. O Papa S. João Paulo II, na sua visita a Cabo Verde, lembrou-nos que a contribuição específica da Igreja «no que respeita ao bem comum, situa-se antes de tudo no campo da formação das consciências, em sintonia e coerência com as diretrizes e exigências de uma ética humana e cristã: proclamar a lei moral e os seus imperativos e denunciar, se necessário, os desvios e os erros…»[5]. A consciência bem formada leva a fazer uma análise descomplexada dos programas, do perfil dos candidatos a altos cargos da nação, da sua forma de encarar o poder político e do resultado do trabalho feito em possíveis mandatos anteriores a nível local ou nacional.

Através do seu voto, o cidadão está a contribuir para o surgimento de homens e mulheres que sejam autênticos ministros, isto é, servidores do Estado e do bem comum e não oportunistas em busca de vantagens pessoais em detrimento do serviço ao povo.[6]

3. Direito e dever de votar

O sujeito da autoridade política é o povo considerado na sua totalidade como detentor da soberania. O povo, de modos diferentes e também através do voto, transfere o exercício da sua soberania para aqueles que elege livremente como seus representantes, mas conserva a faculdade de a fazer valer no controlo da atuação dos governantes e também na sua substituição, caso não cumpram de modo satisfatório as suas funções[7]. O nosso país vai viver neste ano três eleições: legislativas, autárquicas e presidenciais. São três grandes oportunidades para os cidadãos darem a sua colaboração na edificação de uma sociedade mais justa, democrática e fraterna, através do voto.

Isto significa que os cidadãos devem participar do processo político, exercendo o direito-dever de votar para escolher seus representantes na Assembleia, quem governa e quem fiscaliza o sistema político. Por isso, não votar pode ser considerada uma grave falta cívica.

Os cristãos têm a obrigação moral e cívica de votar para promover o bem comum[8], o que exige dos cidadãos que cumpram com a sua responsabilidade na vida da comunidade pública[9]

4. O respeito pela diferença

Lembramos aos nossos concidadãos que todas as pessoas são livres de apoiar um ou outro partido. Por isso, ninguém deve considerar quem pensa diferente como um inimigo a abater. O espírito democrático e a maturidade humana e política devem levar-nos a aceitar o pluralismo de ideias e programas como algo natural entre pessoas que amam igualmente a sua pátria e procuram o bem comum. A unidade deve prevalecer sobre o conflito[10]. A nossa convivência civil deve basear-se na amizade[11]

5. Campanha política com ética

A campanha eleitoral serve para elucidar o cidadão quanto aos problemas sociais e dar a conhecer os candidatos e as propostas de cada partido.

Conhecidas as pessoas e os programas, a campanha é uma oportunidade de reflexão sobre o que precisa ser escolhido e implementado em Cabo Verde e sobre o que deve ser mudado e rejeitado por não se coadunar com uma sociedade justa.

É nosso desejo que a campanha eleitoral em curso e outras que virão, sejam marcadas pela ética e pela elevação do discurso.

6. Algumas linhas mestras para a análise dos projetos apresentados ao eleitorado

Nós, bispos de Cabo Verde, movidos pela solicitude pastoral, apresentamos os seguintes pontos como critérios de análise dos projetos apresentados aos eleitores.

a) O voto é exercício de responsabilidade

O eleitor consciente não vota à toa ou de modo superficial, nem apenas por disciplina partidária ou por seguir a «tradição do voto», nem busca favorecer os interesses particulares de algum candidato; o eleitor deve orientar-se sempre para o bem maior do país, o que supõe conhecer a realidade e analisar cuidadosa-mente as propostas dos partidos e dos candidatos.

b) Conhecer o perfil do candidato a nível técnico, moral e de solidariedade na defesa do bem comum

O eleitor consciente deve conhecer o perfil do candidato enquanto indivíduo e saber se ele serve para elevar o nome do país e dar-lhe credibilidade.

c) Promoção da justiça social

O eleitor consciente vota em quem promove a igualdade de oportunidades na área da Saúde, da Educação, da Justiça e do Emprego, sem olhar à cor política do cidadão. Os políticos devem intervir para evitar situações de exclusão e outras formas de injustiça social.

d) O Emprego e trabalho dignos

O eleitor consciente analisa as propostas em relação às reais e razoáveis condições de criação efetiva de emprego em todo o território nacional. Ter um trabalho digno é importante não só porque constitui um principal factor com que a maioria das pessoas contam para suprir as suas necessidades básicas, como também lhes permite plena integração social[12].

e) Equilíbrio regional

O eleitor consciente vota em quem realmente deseja propor e efetivar a integração de todas as ilhas no processo de desenvolvimento social, educacional e económico; todas as ilhas merecem a mesma atenção e nenhuma deve ser penalizada por motivo algum[13].

f) Liberdade religiosa

O eleitor consciente valoriza o discurso político sobre a promoção da liberdade religiosa, um assunto sensível e fundamental para a afirmação dos direitos humanos e da paz social.

g) Promoção da vida e da família

O eleitor consciente analisa e decide por projetos políticos que defendam o direito inalienável à vida e à dignidade da pessoa humana desde a sua concepção até à morte natural, o valor da Família e do matrimónio entre um homem e uma mulher, bem como todos os valores da justiça social.

h) A defesa do ambiente

O eleitor consciente decide por projetos político-sociais que defendem a qualidade do ambiente e do ecossistema numa perspectiva para além do imediato, «porque quando se busca apenas um ganho económico rápido e fácil, já ninguém se importa realmente com a sua preservação».[14] Com o Papa Francisco, denunciamos os elevados custos dos danos provocados na natureza «quando se pretende obter benefícios significativos, fazendo pagar ao resto da humanidade, presente e futura, os altíssimos custos da degradação ambien-tal».[15]

A defesa da Casa Comum é um imperativo social que visa garantir uma terra saudável às futuras gerações e a proteção dos mais fracos que têm poucos meios para se defenderem[16].

i) O Homem: centro do desenvolvimento 

O eleitor consciente vota no projeto político que coloca o homem como o protagonista, o centro e o fim de toda a vida económica e social.[17] Está atento aos programas capazes de promover uma economia endógena, sustentável, solidária, que dê garantias reais de trabalho digno aos mais pobres.

j) Celeridade da justiça e promoção da educação 

O eleitor consciente vota pela defesa da celeridade e qualidade da justiça, condição fundamental para uma autêntica paz social. Ele vota na proposta que promove a Educação que é um direito de todos e a base para o autodesenvolvimento da pessoa.

Caros concidadãos,

Não queríamos terminar esta «Nota» sobre o voto consciente, sem lançar um apelo de incentivo a todos, especialmente aos jovens, no sentido de votarem conscientemente nas próximas eleições.

Estamos cientes de que quem deliberadamente não vota, perde o direito de reclamar quando algo está mal na sociedade e, acima de tudo, perde a oportunidade de colaborar para promover o desenvolvimento e a democracia no nosso país.

Há, infelizmente, casos de corrupção e de má utilização dos bens da república que têm levado alguns a não se interessarem pela política. No entanto, exortamos a esses e a todos os homens e mulheres de boa vontade a superarem possíveis desilusões com a Política e com os políticos, e a verem também os benefícios que a Política traz à sociedade. Devem exercer conscientemente o direito ao voto, escolhendo os melhores programas e os candidatos idóneos e comprometidos com o bom destino da nação.

Caros irmãos na fé, enquanto cidadãos deste país, haveis de vos empenhar com o vosso trabalho honesto e o vosso voto a favor de uma economia social forte, de uma cultura de base humanista, de uma ação política totalmente orientada para a dignificação do ser humano.

Sim à participação e não à demissão

Como vossos pastores nós vos exortamos a que ninguém se demita de dar o seu contributo[18], sendo fermento na massa, para que a nossa sociedade seja a concretização dos nossos sonhos de superação dos desafios que marcaram e continuam a marcar o nosso percurso histórico nas ilhas e na nossa extensa diáspora.

A nossa pátria definitiva está nos Céus, mas temos o grave dever de cuidar da «cidade terrena», animados pelo Senhor Jesus, o Rosto da misericórdia do Pai.

Que a Virgem Maria, Mãe da divina misericórdia, nos acolha sob o seu manto de luz e nos encaminhe para Jesus, seu Filho e Senhor Nosso, eterna Fonte de Vida e nossa firme Esperança.

Cabo Verde, 06 de Março de 2016

 Arlindo, Cardeal Gomes Furtado, Bispo de Santiago

 Ildo Fortes, Bispo de Mindelo



[1] PONTIFÍCIO CONSELHO «JUSTIÇA E PAZ»Compêndio da Doutrina Social da Igreja, Vaticano, 2004, 164. «O bem comum não consiste na simples soma dos bens particulares de cada sujeito do corpo social. Sendo de todos e de cada um, é e permanece comum, porque indivisível e porque somente juntos é possível alcançá-lo, aumentá-lo e conservá-lo, também em vista do futuro».

[2] Catecismo da Igreja Católica, 1913.

[3] CONCÍLIO VATICANO II, Constituição Gaudium et Spes (7 de Dezembro de 1965), 75: AAS 58 (1966) p. 1097: «A Igreja louva e aprecia o trabalho de quantos se dedicam ao bem da nação e tomam sobre si o peso de tal cargo, em serviço dos homens».

[4]  CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉNota doutrinal sobre algumas questões relativas ao compromisso e à conduta dos católicos na vida política, - CVP nº 4.

[5]  JOÃO PAULO II, Discurso na Catedral da Praia, a 25 de Janeiro de 1990.

[6]  Cf. FRANCISCO, Carta Encíclica Laudato Sì (24 de Maio de 2015), 188.

[7]  Cf. JOÃO PAULO II, Carta Encíclica Centesimus annus (1 de Maio de 1991), 46, AAS 83 (1991), p. 850.

[8]  Cf. Código do Direito Canónico – CIC, 2240.

[9] Código do Direito Canónico - CIC, 2239.

[10]  FRANCISCO, Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, (14 de Novembro de 2013), 226-230: AAS (2013), pp. 94-95.

[11] Cf. Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 390.

[12] Cf. JOÃO PAULO II, Carta Encíclica Laborem Exercens (14 de Setembro de 1981), 16: AAS 73 (1981) p. 619.

[13]  Cf. JOÃO XXIII, Carta Encíclica Mater et Magistra (15 de Maio de 1961), 150: AAS 53 (1961).

[14] FRANCISCO, Carta Encíclica Laudato Sì (24 de Maio de 2015), 36.

[15] Idem, 36 e cf. 195.

[16]  Cf. Idem, 49 e 184.

[17]  Cf. JOÃO PAULO II, Carta Encíclica Centesimus annus (1 de Maio de 1991), 37: AAS 83 (1991), p. 840.

[18] PONTIFÍCIO CONSELHO PARA «JUSTIÇA E PAZ», Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 190: «A participação na vida comunitária não é somente uma das maiores aspirações do cidadão, chamado a exercitar livre e responsavelmente o próprio papel cívico com e pelos outrosmas também uma das pilastras de todos os ordenamentos democráticos, além de ser uma das maiores garantias de permanência da democracia».