O Papa Francisco recebeu na manhã de 8 de fevereiro os membros do Corpo Diplomático acreditado junto da Santa Sé. Dirigindo-se aos representantes de 183 Estados, que atualmente têm relações diplomáticas com a Santa Sé, falou sobre algumas das crises provocadas ou evidenciadas pela pandemia, contemplando ao mesmo tempo as oportunidades que derivam delas para se construir um mundo mais humano, justo, solidário e pacífico.
Eis os pontos centrais do seu discurso:
- Viagens apostólicas — É meu desejo retomá-las, começando com a visita ao Iraque;
- Crise sanitária — A pandemia recorda-nos o direito aos tratamentos, dos quais todos os seres humanos são destinatários;
- Vacinas — Exorto a assegurar uma distribuição equitativa, não segundo critérios puramente económicos, mas tendo em consideração as necessidades de todos;
- Mudanças climáticas — Espero que a próxima Conferência das Nações Unidas sobre o Clima(Cop26) permita encontrar um acordo eficaz para enfrentar as suas consequências;
- Economia — É necessária uma espécie de “nova revolução coperniciana”, que volte a colocá-la ao serviço do homem, e não vice-versa;
- Dívida — A conjuntura económica que estamos a atravessar sirva de incentivo para perdoar, ou pelo menos reduzir, a dívida dos países mais pobres;
- Migrantes — É urgente renovar o compromisso em prol da tutela dos refugiados, bem como dos deslocados internos e de todas as pessoas vulneráveis obrigadas a fugir;
- Democracia — Exige um caminho de diálogo inclusivo, pacífico, construtivo e respeitoso;
- Desarmamento — Existem demasiadas armas no mundo! Justiça, sabedoria e humanidade requerem que se impeça a corrida aos armamentos;
- Educação — Assistimos a uma espécie de “catástrofe educativa”, diante da qual não podemos permanecer indolentes;
- Liberdade religiosa — É o primeiro e fundamental direito humano.
No discurso ao Corpo Diplomático, o Papa falou de dramas humanitários, de conflitos no mundo, de crises nos setores da sociedade, detendo-se sobretudo na crise dos "relacionamentos humanos”, expressão duma crise antropológica geral, que tem a ver com a própria conceção da pessoa humana e a sua transcendente dignidade. Considera a crise de relacionamentos humanos como a mais grave de todas.
A pandemia, que nos forçou a longos meses de isolamento e muitas vezes de solidão, evidenciou a necessidade de relacionamentos humanos que tem toda a pessoa. Penso, antes de mais nada, nos estudantes que não puderam frequentar regularmente a escola ou a universidade. «Procurou-se por todo o lado implementar uma resposta rápida através de plataformas educativas informáticas, que evidenciaram não só uma acentuada disparidade de oportunidades educacionais e tecnológicas, mas também o facto de muitas crianças e adolescentes, devido ao confinamento e outras carências anteriores, terem sofrido atrasos no processo normal de desenvolvimento pedagógico».
O Papa falou ainda da necessidade de uma renovada estação de empenhamento educativo, que envolva todas as componentes da sociedade», para fazer frente ao que ele mesmo chama de «catástrofe educativa».
Assistimos a uma espécie de «catástrofe educativa». Deixai-me repeti-lo: assistimos a uma espécie de «catástrofe educativa», face à qual não se pode permanecer inerte; exige-o o bem das futuras gerações e da sociedade inteira […]
[…] pois a educação é «o antídoto natural à cultura individualista, que às vezes degenera num verdadeiro culto do “ego” e no primado da indiferença. O nosso futuro não pode ser a divisão, o empobrecimento das faculdades de pensamento e imaginação, de escuta, diálogo e compreensão mútua»
Francisco pediu aos representantes diplomáticos, que respeitem, defendam e protejam a liberdade de religião, como a saúde e a integridade física. Uma vez que “as exigências, que visavam conter a difusão do vírus, estenderam as suas ramificações também sobre várias liberdades fundamentais, incluindo a liberdade de religião, com a limitação do culto e das atividades educativas e socio caritativas das comunidades de fé”.
É preciso, porém, não transcurar a dimensão religiosa pois constitui um aspeto fundamental da personalidade humana e da sociedade, que não pode ser esquecido. Pois, não obstante, se esteja procurando proteger as vidas humanas da propagação do vírus, não se pode considerar a dimensão espiritual e moral da pessoa como secundária relativamente à saúde física.
Falando da liberdade do culto, o Papa afirma que, ela deriva “essencialmente do direito à liberdade religiosa, que é direito humano primário e fundamental”, não constituindo um corolário da liberdade de reunião.
As crises provocadas pela pandemia revelam também um mundo doente, que necessita de cuidados.
Há certamente diferenças profundas entre a crise sanitária provocada pela pandemia e a crise ecológica causada por uma exploração indiscriminada dos recursos naturais. A segunda tem uma dimensão muito mais complexa e permanente, e requer soluções compartilhadas de longo prazo. A resolução destas crises requer uma colaboração internacional para o cuidado da nossa casa comum.
O Papa conclui o discurso com este apelo: “ano de 2021 é um tempo a não perder; e não se perderá na medida em que soubermos colaborar com generosidade e empenho. Neste sentido, considero que a fraternidade seja o verdadeiro remédio para a pandemia e os inúmeros males que nos atingiram. Fraternidade e esperança são remédios de que o mundo precisa, hoje, tanto como as vacinas”.